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A Síndrome da Mulher de Potifar e o Crime de Denunciação Caluniosa



A história de José do Egito na Bíblia Sagrada é narrada como uma história de superação. O filho de Jacó que foi vendido pelos irmãos, motivados por inveja, como escravo aos ismaelitas, e que após anos foi alçado pelo Faraó à condição de governante do Egito, uma espécie de primeiro-ministro.


No início de sua história no Egito, José foi vendido a Potifar, um alto oficial da guarda do Faraó, casado com Zuleica (conforme fontes judaicas). A história que envolve José, Potifar e Zuleica é narrada tanto na Bíblia Sagrada quanto no Alcorão. Destacamos na Bíblia o livro de Gênesis, capítulo 39, versículos 1-2;6-20:


José foi conduzido ao Egito, e Potifar, um oficial egípcio do faraó, chefe da guarda, comprou-o aos ismaelitas que o levavam.

O Senhor estava com José, e tudo lhe prosperava. Morava na casa do seu senhor, o egípcio.

(...)

Ele entregou todos os seus negócios a José, sem mais se preocupar de coisa alguma, exceto do que se alimentava. Ora, José era belo de corpo e de rosto.

E aconteceu, depois de tudo isto, que a mulher de seu senhor lançou seus olhos em José e disse-lhe: "Dorme comigo."

Mas ele recusou: "Meu senhor, disse-lhe ele, não me pede conta alguma do que se faz na casa, e confiou-me todos os seus bens.

Não há maior do que eu nesta casa; ele nada me interdisse, exceto tu, que és sua mulher. Como poderia eu cometer um tão grande crime e pecar contra Deus?"

Em vão se esforçava ela todos os dias, falando a José; ele não consentia em dormir com ela e unir-se a ela.

Certo dia, tendo ele entrado na casa para fazer seus serviços, e não se encontrando ali ninguém da casa, ela segurou-o pelo manto, dizendo: "Dorme comigo!" Mas José, largando-lhe o manto nas mãos, fugiu.

Vendo a mulher que ele lhe tinha deixado o manto nas mãos e fugido, chamou a gente de sua casa e disse-lhes: "Vede: trouxeram-nos este hebreu para a casa a fim de que ele abuse de nós. Este homem veio-me procurar para dormir comigo, mas eu gritei.

E vendo que eu me punha a gritar, deixou seu manto ao meu lado e fugiu."

E guardou junto de si as vestes de José até a volta de seu senhor.

E fez-lhe a mesma narrativa: "O escravo hebreu, disse ela, que nos trouxeste, veio à minha procura para abusar de mim. Mas, pondo-me a gritar, deixou o seu manto ao meu lado e fugiu."

Ao ouvir isto de sua mulher, contando-lhe como se tinha comportado com ela o seu servo, ele enfureceu-se, e lançou José na prisão, onde se encontravam detidos os prisioneiros do rei. E José foi encarcerado.


Em suma, Zuleica, a esposa de Potifar, José e convidou José inúmeras vezes a ter relações sexuais. Após ser rejeitada em mais de uma oportunidade, Zuleica acusou falsamente José perante seu marido de tentar estuprá-la. Enfurecido, Potifar encarcerou José.


Destarte, a Síndrome da Mulher de Potifar corresponde à figura criminológica que por motivo torpe imputa falsamente um crime a quem a rejeitou. Embora a conduta criminosa imputada seja relacionada à dignidade sexual, o exemplo pode ser facilmente aplicável por analogia aos mais diversos casos de violência de gênero em que uma mulher se posiciona como vítima.


Note-se que José foi condenado injustamente com fundamento exclusivo na palavra da mulher de Potifar. Qualquer semelhança com a realidade atual não é mera coincidência, a história apenas se repete ao longo da existência até os tempos atuais.


Nos crimes de violência contra a mulher, a jurisprudência pátria tem consagrado a palavra da suposta vítima com elevado valor probatório em razão do cenário de clandestinidade em que normalmente estes crimes são praticados.


Quanto aos crimes de estupro, a Lei n° 12.015/2009 equiparou o crime de atentado violento ao pudor ao de estupro, ou seja, mesmo quando não há a efetiva conjunção carnal, pode haver estupro, e a constatação independe de coleta de provas por laudo pericial.


Da mesma forma a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispensa-se o laudo pericial que constate lesão em virtude de o crime ser cometido em ambiente íntimo, muitas vezes sem testemunhas, além de possível coação do agressor para que a mulher não o denuncie.


Sem dúvida a palavra da vítima merece valoração, mas deve ser relativizada, deve ser suficiente para iniciar uma investigação, mas não para culminar por si só em sentença condenatória. Não custa lembrar que a vítima no processo penal brasileiro não tem o dever de prestar compromisso com a verdade.


Ainda que uma mulher que faz uma acusação falsa não possa ser julgada e condenada por perjúrio, ao fazê-lo incorrerá no crime de denunciação caluniosa (CP, art. 339). Neste caso, o acusado de agressão passa a figurar como vítima e a falsa agredida na condição de ré. É um crime de difícil comprovação, pois em geral a vítima não tem provas de que a pessoa que lhe imputou crime com intenções espúrias tinha plena consciência da sua inocência. É difícil, porém não impossível, mas a mera palavra da vítima da denunciação caluniosa neste caso não é suficiente sequer para iniciar uma investigação.


José foi condenado, e jamais sua pena foi revista em outra instância, tendo gozado do perdão tácito do Faraó. Não havia o processo penal e as garantias individuais como conhecemos hoje. Mas será que mesmo atualmente, José seria inocentado aqui no Brasil?


As falsas denúncias de crimes de violência de gênero não são de hoje, têm precedentes bíblicos. E tendo em vista que consideram a Bíblia Sagrada como sendo a Palavra de Deus, espera-se que aqueles que creem considerem o alerta divino. Assim como aqueles que não creem, também.


A denunciação caluniosa no contexto da violência contra a mulher existe e é mais comum do que se imagina, não pode ser ignorada. Pois à medida que falsas denúncias são levadas às autoridades policiais e judiciárias para serem investigadas, a apuração das verdadeiras ocorrências criminosas serão prejudicadas.

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